Novo presidente da ANP acredita em aumento de investimentos no setor de distribuição, mais competição e ganhos para os consumidores
Publicado em 24/03/2021 por Alessandra de PaulaÀ frente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) desde dezembro de 2020, o Almirante Rodolfo Saboia conversou com exclusividade com a equipe do Instituto Combustível Legal (ICL), comentando diversos temas, como os principais problemas que afetam o mercado; o combate às irregularidades, que não parou nem durante a pandemia; e as perspectivas para o setor com a abertura do mercado.
“A expectativa da ANP com a abertura do mercado de refino é de aumento da competitividade e dos investimentos no setor, com impactos positivos ao consumidor no que se refere aos preços e à segurança no abastecimento, em linha com as diretrizes emanadas do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética]”, ressalta Saboia. Confira a entrevista completa:
Instituto Combustível Legal: O senhor assumiu a presidência da ANP em dezembro de 2020. Qual é, na sua opinião, o maior desafio a ser enfrentado à frente do órgão?
Almirante Rodolfo Saboia: São muitos desafios, até porque o setor de petróleo e gás natural está em transformação no mundo e especialmente no Brasil, e o escopo de atuação da ANP vai do poço ao posto. Mas eu destacaria, no upstream, a necessidade de mantermos a atratividade da exploração e produção no cenário de transição energética global; no setor de gás natural, o esforço para consolidarmos um mercado aberto, líquido e competitivo; e no downstream o desafio de garantirmos uma transição segura no abastecimento durante e após o processo de desinvestimento da Petrobras, de forma a ampliarmos a disponibilidade de combustíveis por meio do incremento da competição saudável no setor.
No setor de distribuição, o principal problema detectado pela fiscalização da ANP refere-se à qualidade dos produtos, especialmente, teor de biodiesel diferente do obrigatório
Instituto Combustível Legal: Quais os principais problemas encontrados pela fiscalização da ANP no setor de distribuição de combustíveis? E como a ANP visa a enfrentar esses problemas?
Almirante Rodolfo Saboia: No setor de distribuição, o principal problema detectado pela fiscalização da ANP refere-se à qualidade dos produtos, especialmente, teor de biodiesel diferente do obrigatório. Além disso, há casos de não fornecimento da amostra-testemunha e de não utilização de lacres.
De qualquer forma, é muito importante ressaltar que os índices de não conformidade são muitos baixos. A diferença no teor de biodiesel, em geral, ocorre quando há alterações no percentual estabelecido em lei, ou por falha no ato de carregamento dos caminhões nas bases de distribuição, o que também não é comum.
Na revenda, a grande maioria das autuações são referentes a defeito nos bicos das bombas de combustível, devido ao uso
. Existem alguns revendedores que se utilizam de dispositivos eletrônicos e quando há essa desconfiança fazemos operações conjuntas com o INMETRO e IPEM, pois não temos competência para abrir os equipamentos. A nossa Superintendência de Fiscalização do Abastecimento tem trabalhado com o INMETRO para resolver essa questão, inclusive com treinamentos para capacitar nosso pessoal na identificação desses dispositivos.
Quando fazemos ações tipo Operação Verão, ou Semana do Consumidor, efetuamos centenas de testes de qualidade e milhares de verificações em bicos e as não conformidades são baixíssimas. Como exemplo, podemos citar a Semana do Consumidor que ocorreu em 2020. Foram realizados 2.035 testes e verificados 4.336 bicos, em 502 postos fiscalizados. Como resultado, foram sete autuações por vício de qualidade, três por vazamento (defeito) e 40 por “Bomba Baixa”, sem comprovação de sistema eletrônico (defeito por uso).
Buscamos combater as fraudes por meio da regulação e das ações de fiscalização, que são motivadas pelo planejamento interno ou por denúncias recebidas. Mas, de fato, trata-se de um desafio constante. Primeiro, porque o mercado é dinâmico e as irregularidades vão se alterando e se sofisticando com o tempo e a Agência precisa sempre acompanhar. Segundo, porque precisamos atuar cada vez mais com inteligência, no sentido de mantermos uma regulação que incentive o entendimento e o cumprimento das regras pelos agentes econômicos e uma fiscalização eficiente, capaz de identificar os problemas de forma remota, por meio da análise automatizada de dados.
Eu sou um entusiasta do uso da tecnologia na regulação e vejo um campo grande para aprimorarmos as nossas atividades sob esse prisma.
Instituto Combustível Legal: Durante 2020, um ano atípico por conta da pandemia, a ANP conseguiu manter a fiscalização? Houve um aumento nas irregularidades?
Almirante Rodolfo Saboia: Apesar de 2020 ter sido um ano atípico e com forte restrição de mobilidade, decorrente da pandemia da Covid-19, a ANP manteve firme e ampla a agenda de trabalho na fiscalização do mercado nacional de combustíveis. No ano, foram realizadas 15.106 ações de fiscalizações, que resultaram em 2.434 autos de infração por algum tipo de irregularidade e 588 autos de interdição cautelar, nos casos de infrações mais graves, como “vício de qualidade” e “vício de quantidade”. Em relação aos anos anteriores, não percebemos aumento na quantidade de irregularidades encontradas nas fiscalizações. Ao contrário, houve até uma pequena redução, na comparação com 2019.
Buscamos combater as fraudes por meio da regulação e das ações de fiscalização, que são motivadas pelo planejamento interno ou por denúncias recebidas
Instituto Combustível Legal: A ANP tem o seu canal de denúncias. Quais as principais irregularidades que a agência detecta por meio dele?
Almirante Rodolfo Saboia: O canal da ANP para recebimento de denúncias é o Centro de Relações com o Consumidor, ou CRC, que recebe as manifestações por meio de ligação gratuita para o telefone 0800 970 0267, ou pelo sítio da ANP na internet, clicando-se no ícone “Fale Conosco”.
A principal irregularidade denunciada ao CRC é de vício da qualidade dos combustíveis líquidos comercializados
. Além disso, outras três questões frequentes dizem respeito a irregularidades na prestação de informações aos consumidores, a vícios de quantidade e a abuso de preços praticados no mercado de combustíveis.
As manifestações recebidas no CRC servem de insumo às ações de fiscalização da Agência.
Instituto Combustível Legal: A abertura do mercado brasileiro com a venda das refinarias da Petrobras, deverá atrair novas empresas tradicionais e/ou aventureiras. Sabemos que neste mercado, altamente competitivo, isso pode significar novas necessidades de controle e fiscalização para impedir distorções concorrenciais. Qual a visão da ANP sobre este novo ciclo?
Almirante Rodolfo Saboia: A expectativa da ANP com a abertura do mercado de refino é de aumento da competitividade e dos investimentos no setor, com impactos positivos ao consumidor no que se refere aos preços e à segurança no abastecimento, em linha com as diretrizes emanadas do CNPE. Ao mesmo tempo, é verdade que existem riscos nesse processo e a ANP precisa, sim, estar preparada para esse novo cenário. E é exatamente isso que a Agência está fazendo, em várias frentes.
Especificamente em relação às questões concorrenciais, a ANP conta com uma Superintendência dedicada ao tema, que suporta a revisão da regulação da Agência, de modo a evitar distorções, e analisa indícios de atos de concentração comunicando ao Cade a ocorrência de eventuais irregularidades de competência daquele órgão.
No ano, foram realizadas 15.106 ações de fiscalizações, que resultaram em 2.434 autos de infração por algum tipo de irregularidade e 588 autos de interdição cautelar, nos casos de infrações mais graves, como “vício de qualidade” e “vício de quantidade”
Instituto Combustível Legal: Falando em abertura de mercado, tem sido observado um aumento sem precedentes de importação de outras naftas para formulação de gasolina, em um momento em que os preços internacionais não favorecem a formulação. Como a ANP pode se antecipar aos possíveis problemas da formulação, garantindo desta forma a previsibilidade para o erário?
Almirante Rodolfo Saboia: A ANP recebe, dos agentes regulados do downstream, os dados de produção, estoques, importações, vendas, aquisições e transferências de combustíveis e demais derivados de petróleo. De posse desses dados, são realizadas análises e, caso detectada alguma irregularidade, a Agência atua com os instrumentos legais que estão ao seu alcance. Dentre as penalidades previstas, há a possibilidade de revogação da autorização da empresa infratora. As ações de fiscalização em campo também ajudam a identificar irregularidades no setor. Além disso, a ANP procura estabelecer comunicação com outros órgãos, como, por exemplo, as secretarias de fazenda, para trocar informações com o objetivo de combater as fraudes no setor
.
Instituto Combustível Legal: Por meio do site e mídias sociais do Instituto Combustível Legal (ICL), consumidores apontam como principais problemas enfrentados os combustíveis adulterados e a chamada bomba fraudada, que entrega um volume de combustível inferior ao que aparece do visor. Como ANP consegue agir para combater essas fraudes?
Almirante Rodolfo Saboia: Os vícios de quantidade são, ao lado dos de qualidade, os principais alvos da fiscalização da ANP, pois lesam diretamente o consumidor final, além de criarem uma situação de concorrência desleal que prejudica os empresários corretos, que atuam de acordo com a lei e a regulação e que constituem a imensa maioria dos agentes econômicos.
O combate a essas fraudes acontece por meio das ações de fiscalização da Agência, mas também, especialmente, por meio de parcerias institucionais com outros órgãos públicos, que incluem acordos de cooperação técnica e operacional, ações conjuntas e operações em forças-tarefa.
No caso de identificação de irregularidades envolvendo bombas medidoras de combustíveis, o posto revendedor é autuado e as bombas são imediatamente lacradas.
A expectativa da ANP com a abertura do mercado de refino é de aumento da competitividade e dos investimentos no setor, com impactos positivos ao consumidor no que se refere aos preços e à segurança no abastecimento, em linha com as diretrizes emanadas do CNPE
Instituto Combustível Legal: Nos últimos tempos, a ANP vem participando de chamadas forças-tarefas juntamente com a polícia, secretarias de fazenda, Inmetro, entre outras instituições. O resultado dessas ações tem sido positivo? O que podemos esperar para 2021?
Almirante Rodolfo Saboia: A ANP está empenhada em ampliar as parcerias com órgãos de diferentes esferas da administração pública, qualificando cada vez mais o relacionamento institucional, as ações em forças-tarefa, entre outras parcerias. Em 2020, foram realizadas 158 operações em parcerias com outras instituições, em quase 200 municípios, localizados em 23 unidades da federação
. As operações ocorreram em diversos segmentos, incluindo as revendas varejistas de combustíveis e de GLP. Como resultado desse esforço, foi possível fiscalizar mais de mil agentes econômicos, com a aplicação de 261 autuações e 118 interdições.
Nesse tipo de trabalho, há significativo esforço institucional de mobilização da imprensa, com o propósito de fazer repercutir, no mercado e na sociedade em geral, a capacidade do poder público de trabalhar de forma articulada para reprimir as irregularidades. Então, além de efetivo, esse modelo de fiscalização tem importante efeito educativo e contribui para a manutenção das condições adequadas ao mercado competitivo.
Os vícios de quantidade são, ao lado dos de qualidade, os principais alvos da fiscalização da ANP, pois lesam diretamente o consumidor final, além de criarem uma situação de concorrência desleal que prejudica os empresários corretos
Instituto Combustível Legal: Especialistas e o Instituto Combustível Legal (ICL) defendem uma simplificação tributária no setor de combustíveis. Hoje, a gasolina, por exemplo, tem oito alíquotas diferentes. Essa simplificação facilitaria a ação da agência?
Almirante Rodolfo Saboia: Sem dúvida, a simplificação tributária seria capaz de proporcionar maior eficiência ao mercado, com ganhos ao consumidor, e reduzir a sonegação, que distorce o mercado e prejudica o empresário que arca com todas as suas obrigações. Além disso, a medida contribuiria para possibilitar que a regulação da ANP também se torne mais simples e efetiva.
Instituto Combustível Legal: Dados da Fundação Getúlio Vargas apontam que a sonegação de impostos no setor de distribuição de combustíveis atinge anualmente algo em torno de R$ 7,2 bilhões, afetando seriamente os cofres estaduais. Estas empresas, também conhecidas como devedoras contumazes, possuem histórico de não pagamento, e por muitas vezes com Inscrições Estaduais cassadas pelas Secretarias da Fazenda dos Estados. Como a ANP, como agência reguladora, pode restringir que estas empresas mal intencionadas continuem operando e desequilibrando o mercado legal?
Almirante Rodolfo Saboia: Embora a ANP, por força da legislação, não possa fiscalizar diretamente o cumprimento das obrigações tributárias, a Agência entende que a sonegação distorce o mercado e, no fim das contas, prejudica a sociedade e o consumidor final.
Assim, a Agência atua em parceria com os órgãos fazendários para o combate à sonegação por meio, por exemplo, do intercâmbio de informações. Quando informada do cancelamento da Inscrição Estadual de algum agente regulado, a ANP revoga a sua autorização de funcionamento. Por outro lado, ao tomar conhecimento de possíveis infrações tributárias, a Agência comunica os órgãos de fiscalização competentes
.
Esse tipo de atuação coordenada tem contribuído para obtenção de resultados positivos no combate às irregularidades e por isso deve ser reforçada a partir de agora, para que a gente mantenha o mercado concorrencial operando de forma sadia e equilibrada.
A simplificação tributária seria capaz de proporcionar maior eficiência ao mercado, com ganhos ao consumidor, e reduzir a sonegação, que distorce o mercado e prejudica o empresário que arca com todas as suas obrigações
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