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Especialista em energia e propulsão analisa o impacto nos motores do aumento do biodiesel no diesel

Publicado em 29/05/2023 por Alessandra de Paula

Desde o dia 01 de abril, a mistura mínima de biodiesel no diesel passou de 10% para 12%, conforme aprovado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 17 de fevereiro. O cronograma de aumentos graduais do conselho prevê que a mistura deve chegar a 15% até 2026. Em entrevista ao site do Instituto Combustível Legal (ICL), Eduardo Polati, especialista em energia e propulsão e consultor na área de mobilidade, faz um verdadeiro raio-x das vantagens e desvantagens do aumento do teor de biodiesel no diesel.

De acordo como o especialista, o aumento do teor de biodiesel traz os seguintes benefícios:

  • Redução de enxofre: quanto maior a quantidade de biodiesel no diesel, maior o efeito na redução de enxofre, elemento que está intimamente ligado à emissão de particulados, aquela fumaça visível do diesel.
  • Biodiesel como agente de lubricidade: quando se reduz o teor de enxofre, perdem-se propriedades de lubricidade no combustível, ou seja, a propriedade de lubrificar os componentes de injeção, bombas e bicos injetores.

De acordo com o especialista, os motores para Euro 6 [conjunto de normas que regulamentam a emissão de poluentes para motores a diesel] estão trabalhando com pressões de injeção muito elevadas, girando em torno de 2 mil bar [unidade de pressão], ou seja 2 mil vezes a pressão atmosférica, o que é, segundo ele, extremamente rigorosa, podendo provocar desgaste dos componentes.

Com a redução do enxofre, o biodiesel cumpre esse papel de agente de lubricidade, porque a estrutura molecular do biodiesel é um éster, derivado de vegetal ou derivado de animal, de gordura.

  • Com a redução do teor de carbonos na estrutura molecular, há uma redução do ponto final de ebulição do diesel, dessa forma, há uma tendência à diminuição de formação de CO2 no final da combustão.

No entanto, Polati aponta também o que ele chama de efeitos “não bons” do aumento do biodiesel no diesel:

“A redução de carbono vai produzir um efeito colateral: o aumento de consumo de combustível, e o consequente aumento de emissões. Esse é o grande desafio da montadora: conseguir colocar o motor dentro do limite de emissões”, ressaltou.

Biodiesel: composto instável sujeito à oxidação

Grande parte do biodiesel que é produzido no Brasil hoje ou é derivado de gordura animal, ou é derivado de óleos vegetais. De acordo com o especialista, esses dois compostos são quimicamente muito instáveis, com isso, há uma tendência à oxidação:

“Isso demanda o uso de aditivos para controlar a oxidação, o que encarece o produto. E, se não há controle, é possível ter efeitos colaterais indesejáveis no combustível misturado. Apesar de o diesel ser um combustível estável quimicamente, se introduzimos   dentro dele algo que vai formar compostos oxidáveis, que polimerizam o combustível, ou mudam propriedades físico-químicas do combustível, isso pode afetar a qualidade”, explicou.

Segundo o especialista, quanto mais o produto é instável quimicamente, mais agressivo ele é, com mais potencial de “estragar” o diesel. Quanto maior a quantidade de biodiesel no diesel, maior a velocidade de oxidação e formação de borra. Isso tudo impacta no custo do produto.

Ignição rápida, mas com aumento de consumo

De acordo com Polati, outra particularidade é que o biodiesel tem um alto índice de cetano, que é a propriedade necessária no combustível para o ciclo de combustão:

“Quanto maior o índice de cetano, mais fácil o diesel de entrar em ignição. Por outro lado, há um aumento de consumo de combustível”, frisou.

Os desafios logísticos da mistura de biodiesel e diesel

Polati levanta ainda uma importante questão: a complexidade logística de fazer a mistura do biodiesel com o diesel:

“A não ser que a mistura seja feita na refinaria (e o custo é da refinaria), se for fazer a mistura de biodiesel com diesel na base das distribuidoras, há de se ter uma estrutura específica para isso, tem que ter o ‘jet blender’, as bombas para fazer a mistura, tem que fazer o controle disso dentro do  laboratório para ver se a proporção está correta. Tem que armazenar o biodiesel e controlá-lo para que não se deteriore… Tudo isso impacta no custo”, apontou.

Biodiesel de origem animal x biodiesel de origem vegetal

Na visão de Polati, há também uma questão crítica no que diz respeito ao posicionamento do produto:

“Se eu tenho um composto derivado de gordura animal, eu não estou desviando nada da cadeia alimentar, mas se estou produzindo biodiesel a partir de vegetais, estou tirando o milho, a soja… da cadeia alimentar, estou desviando isso para a cadeia de combustíveis, o que não acho saudável do ponto de vista socioambiental. Quando é de origem animal, é sobra de produto, não impacta na cadeia alimentar”, frisou.

E, de modo geral, Polati ressalta que os engenheiros não têm encarado esse aumento do teor do biodiesel com bons olhos. “Se o biodiesel fosse um combustível de fonte sustentável e com qualidade adequada, seria menos doloroso… É difícil para quem está fazendo homologação de motor criar a estratégia necessária de combustão, de injeção… para cumprir os limites de legislação ambiental, a dor é essa”, completou.

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