Em entrevista ao ICL, economista destaca que empresas de petróleo têm estrutura necessária para transição energética e analisa legislações para proteção ao meio ambiente
Publicado em 17/06/2024 por Jean SouzaO economista Fernando Antônio Ribeiro Soares é consultor no Barral, Parente e Pinheiro Advogados e professor na Fundação Dom Cabral (FDC); no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP); e no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Em entrevista ao Instituto Combustível Legal (ICL), o especialista fala sobre transição energética, comenta sobre projetos de lei nacionais sobre a redução de emissão de carbono e gases do efeito estufa e descreve como as empresas de exploração de petróleo podem participar da preservação do planeta.
De acordo com o professor, a transição energética é uma necessidade e o Brasil tem amplas condições de apoiar esse processo, não apenas internamente, como no mundo, “ainda gerando emprego e renda de maneira sustentável, do ponto de vista econômico, ambiental e social”. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida com exclusividade para o ICL:
ICL: O Brasil é um dos dez maiores produtores de petróleo do mundo. Como o país pode conciliar a exploração desse mercado com a preservação do planeta?
Fernando Antônio Ribeiro Soares: A primeira coisa em conta é o seguinte: tanto o petróleo quanto o gás natural são recursos naturais finitos. Eles vão se escassear em algum momento, e não é um momento muito distante, tem uma curva, aí, de declínio. Ao mesmo tempo, tem o problema da pressão das mudanças climáticas e a necessidade da transição energética. Esses dois fatores somados, ou seja, o próprio escasseamento do petróleo e a necessidade da promoção de uma transição energética, em decorrência das mudanças climáticas, vão fazer com que a as próprias empresas deixem de ser empresas de petróleo e gás natural e se transformem em empresas de energia, no sentido mais amplo.
Nessa transformação, [a empresa] vai ter que investir em uma série de tecnologias. E, mais que isso, são tecnologias muito próximas das empresas de óleo e gás, então, elas vão se transformar. A eólica offshore é uma energia renovável e tem tudo a ver com uma empresa de petróleo, porque nós estamos falando de uma estrutura que vai estar lá no alto-mar. E quem que faz isso hoje? Empresas de petróleo. Então você vai ter que migrar um pouco sua tecnologia, vai ter que transformar aquela base em uma eólica offshore.
ICL: Pode nos dar mais exemplos de como a indústria de petróleo pode ser usada para explorar outras fontes?
Fernando Antônio Ribeiro Soares: Aquela eólica offshore, que vai estar no meio do oceano, pode ser uma base para produção do hidrogênio verde. No CCUS [Carbon Capture, Utilization and Storage], que é a captura e o armazenamento de carbono, você tem um sistema para pegar esse carbono e injetar debaixo da terra em reservatórios. Quais reservatórios? Os já explorados de petróleo e gás natural.
Tem uma série de outras coisas, por exemplo, o HVO, que chamam diesel verde, o SAF [diesel verde e sustentável de aviação]. Você vai pegar o óleo diesel atual e transformá-lo, cada vez mais, em um diesel verde com componentes vegetais, para fazer um mix de banha de animal, etc. Se, de todo o meu diesel, 1% já foi desse óleo vegetal, já diminuí em 1% a emissão de diesel. Se for 5% de todo o meu diesel, 5% já vai ser de componente vegetal e eu vou diminuir a pegada de carbono do óleo diesel em 5%. Não vai começar com 50%, vai começar com 5%, depois isso passa para 10%, para 15% e aí você vai diminuindo a pegada de carbono.
ICL: Diante do cenário de emergência climática, quais as principais medidas que o Brasil precisa adotar para garantir uma transição energética efetiva e responsável?
Fernando Antônio Ribeiro Soares: O Brasil está numa situação extremamente privilegiada no que tange a minimizar os efeitos das mudanças climáticas e realizar uma transição energética, porque tem recursos naturais imensos favorecedores de uma energia mais limpa.
O país está pronto para isso porque tem terra, sol, vento, uma série de recursos naturais que propiciam uma transição energética muito forte, não [apenas] no Brasil, como no próprio mundo. Tem uma potencialidade para investimentos gigantescos, tanto com origem doméstica, quanto estrangeira. Mas se você é investidor, você necessita de segurança jurídica, segurança regulatória, de marcos regulatórios.
Fazendo um mapeamento da pauta legislativa que temos no momento: tem o PL do Combustível do Futuro, o projeto de lei do mercado de carbono, a questão do hidrogênio de baixo carbono, modificações no RenovaBio, o projeto de lei de captura e armazenamento de carbono, um projeto de lei de eólica offshore, todas as tecnologias que nós estamos falando, que, de uma forma ou de outra, vão apoiar a transição energética.
O que é preciso é criar uma estrutura jurídica regulatória que mitigue os riscos do ponto de vista da segurança jurídica e da segurança regulatória. Aí, sim, atraem-se os investimentos.
ICL: Na sua opinião, esse rol de marcos regulatórios e projetos de lei está avançando bem?
Fernando Antônio Ribeiro Soares: Acho que estão lentos. Diante da emergência climática no Brasil e, infelizmente, no mundo, a coisa é mais relevante do que a gente imagina. Por exemplo, na questão do mercado de carbono, nós estamos lentos. Teve toda aquela discussão do Senado aprovou na Câmara, voltou para o Senado. Depois, vai voltar para a Câmara e, depois disso, vamos ter que fazer toda a regulamentação e montar a agência que vai cuidar do mercado de carbono no Brasil.
É preciso de mais velocidade porque: 1) o clima está pedindo e 2) porque isso vai gerar oportunidades para o povo brasileiro. Na própria linguagem das mudanças climáticas, a gente chama isso de cobenefícios, ou seja, atua-se para melhorar o clima, mas ao mesmo tempo você gera emprego e renda, por exemplo.
ICL: Como conciliar a produção de petróleo, uma força econômica do Brasil, com a de biocombustíveis, que também é ampla e crescente? Uma não prejudica a outra?
Fernando Antônio Ribeiro Soares: Nós temos empresas das mais diversas formas que produzem energia. Vamos diversificar as fontes de energia de forma a minimizar, ou, pelo menos, reduzir os impactos sobre o clima. A meu ver, vai ter espaço para todos.
A tendência é que a empresa de petróleo deixe de ser uma empresa de petróleo. Ela vai fazer o HVO, que é a mistura do diesel com óleos, em geral, vegetais. Ela está se diversificando e vai transformar seu negócio. Acho que vai haver espaço para todos e aqueles que demonstrarem mais eficiência, mais produtividade nos seus produtos, inclusive na eficiência do ponto de vista ambiental, vão ganhar mais espaço, e isso é relevante. Então, o mercado está aberto para todos, inclusive para as empresas de petróleo, na medida que elas se transformam em empresas de energia.
ICL: Qual deve ser o papel das empresas ligadas à exploração dos combustíveis fósseis no processo de redução das emissões dos gases do efeito estufa?
Fernando Antônio Ribeiro Soares: É preciso que esses recursos, que hoje são gerados na indústria do petróleo, ainda pela exploração do petróleo e do gás natural, sejam utilizados nessa transformação energética. Não tem como fazer algo do nada.
Pense no óleo diesel. O nosso transporte público é, fundamentalmente, [baseado] em óleo diesel e nosso transporte de carga é, também, por caminhão e, consequentemente, óleo diesel. Claro que eu quero transformar esse óleo diesel em um óleo diesel verde, por exemplo, no HVO, ou, então, com uma menor pegada de carbono. Você tem 5%, 10%, 20%, 50%, o que for possível, do óleo vegetal misturado com o diesel, no caso do HVO, mas não podemos fazer que isso se transforme em um custo excessivo para a população mais humilde.
Se quisermos fazer isso, digamos assim, em uma pancada só, qual será o preço do transporte público e dos nossos alimentos? E aí eu vou penalizar as camadas mais humildes, ou menos abastadas da nossa população. Então, temos que fazer essa análise caminhar sempre no sentido de uma transição energética, mas também vislumbrando que não podemos ter impactos sociais tão significativos em espaço tão curto de tempo.
ICL: A curto prazo, a compra dos créditos de carbono é um caminho para reduzir os efeitos dos gases do efeito estufa?
Fernando Antônio Ribeiro Soares: Sem dúvida nenhuma. E, para o Brasil, isso é fundamental, não só para conciliar as nossas emissões de carbono, mas, também, porque podemos ser ofertantes de conciliações para o resto do mundo. Por isso, eu falo desses projetos que hoje têm que ser legislados, aprovados, enfim, transformados em marcos regulatórios. O mais urgente é o do mercado de carbono: eu tenho 10% de petróleo…, eu tenho que compensar, [fazer] esses 10 virarem 9, 8, 7… é o phase out [interrupção gradativa da produção].
Simultaneamente a esse phase out, temos que ir compensando essa emissão de carbono, dentre outras formas, com soluções baseadas na natureza. No Brasil, é só ver o tamanho da Amazônia, então, se fizermos um marco regulatório adequado do carbono, a captura do carbono pela floresta pode compensar o que ainda emitimos pela extração de petróleo e produção de óleo diesel, etc.
Além disso, vamos lembrar que grande parte das emissões de gás de efeito estufa no Brasil são provocadas pelo desmatamento. Logo na hora que aprovarmos o mercado de carbono e o proprietário da terra perceber que a floresta em pé vale mais que a floresta derrubada, enfim para alguma exploração agropecuária, e estou falando daquela derrubada ilegal da terra, não só vamos ter a floresta em pé para conciliar as emissões de carbono, como vamos reduzir aquela emissão original pelo desmatamento e pela queimada. Então, eu diria que o marco regulatório de carbono no Brasil é fundamental.
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