Como o descaso de autoridades e a ação predatória de algumas empresas colocam vidas em risco, afetam o meio ambiente e prejudicam o mercado de combustíveis
Publicado em 04/05/2023 por Alessandra de PaulaA noite do domingo, 09 de abril, parecia que se encaminhava dentro da normalidade na Avenida Coronel Santa Rita, nas proximidades do Porto de Paranaguá, no Paraná. Mas os moradores tomaram um susto quando uma tubulação subterrânea que liga o Terminal Terin ao Porto de Paranaguá se rompeu, provocando um grande vazamento de nafta.
Rapidamente, as autoridades foram acionadas devido ao risco de explosão. Desde então, caminhões estão fazendo a retirada do produto químico, que inundou as galerias pluviais e as ruas da localidade. A nafta é um composto derivado do petróleo que serve de matéria-prima para indústrias do ramo petroquímico. É usada na fabricação de substâncias como eteno, benzeno, propeno, tolueno e xilenos.
“Estamos fazendo algumas ações preventivas, como lavagem da rede pluvial, com água e espuma, para reduzir o risco de explosão”, afirmou o capitão Everton Oliveira, do Corpo de Bombeiros, em entrevista ao RIC Notícias 24.
Seis famílias que moram próximo ao local precisaram deixar suas casas. Funcionários da empresa responsável pelo dano também foram evacuados. Ninguém se feriu, por sorte, e os danos ambientais ainda precisam ser avaliados.
Polícia Federal investiga vazamento de nafta
A Polícia Federal (PF) deflagrou na quinta-feira (13) a Operação Águas Carijó para investigar os vazamentos de nafta ocorridos no Porto de Paranaguá. Segundo a administradora do porto, além do ponto de rompimento identificado no domingo (09), foi descoberto mais um na quarta-feira (12). O complexo é formado pelos portos de Paranaguá e Antonina.
A investigação iniciada pretende esclarecer as causas do desastre ambiental, cujas consequências ainda não foram dimensionadas, diz a PF, que cumpriu mandado de busca e apreensão no navio responsável pelo transporte e bombeamento do combustível que vazou em grande quantidade.
“O vazamento ocorreu no momento da operação de descarregamento, que é feita por meio de bombeamento do produto por tubulações”, detalhou a PF – que, segundo informado, já coletou documentos e informações que ajudarão a reconstituir e compreender o evento. O objetivo, conforme explica a corporação, é o de identificar se o vazamento foi em decorrência de algum tipo de ação criminosa, ou negligência.
Operações envolvendo combustíveis demandam atenção redobrada das autoridades
O risco e as necessárias medidas preventivas para esse tipo de atividade precisam ser levados em conta por prefeituras e governos estaduais. É muito importante identificar os culpados e apontar onde houve negligência para que acidentes como o do Porto de Paranaguá não se repitam.
E nesse sentido, é preciso destacar a importância de as autoridades se atentarem ao perigo que pode representar para suas cidades o transporte e descarregamento irregular de combustíveis.
Há muito tempo que ambientalistas e responsáveis por análises de risco alertam para a necessidade de uma fiscalização mais efetiva, para que, assim, a segurança do transporte de combustíveis por via marítima possa ser mantida.
Crimes ambientais: relembre casos com vítimas fatais envolvendo combustíveis
Menina de 9 anos morre após cair em poça de gasolina
Tal como em Paranaguá, em abril de 2019, moradores de dois bairros de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, foram acordados com forte cheiro de combustível. Nesse caso, o duto da Petrobras tinha sido criminosamente rompido para furto do produto. A menina Ana Pacheco, de apenas 9 anos de idade, morreu após ter 80% do corpo queimado ao cair numa poça de gasolina. A mãe e o avô estavam envolvidos no furto do combustível.
Operário morre após ser atingido por explosão em galeria pluvial
Bem antes disso, o perigo da falta de fiscalização e a irresponsabilidade de certas empresas provocam desastres em portos do Rio. Em fevereiro de 2012, Rafael Martins Souza, de 29 anos, morreu ao ser atingido por uma forte explosão ocorrida durante obra de uma galeria pluvial. Na época, as suspeitas recaíram sobre um velho duto vizinho à galeria e que fora utilizado até os anos 60 para o descarregamento de petróleo.
O equipamento, em estado precário, teria sido o responsável pela formação de bolsões de petróleo em toda a área do Porto do Rio. Nas palavras do então secretário do Ambiente do Rio, Carlos Minc, um verdadeiro “campo minado”, com riscos de mais explosões e acidentes.
Com o passar dos anos, tudo indica que a preocupação dos órgãos ambientais deixou de existir. Fato é que as autoridades estaduais permitiram o reinício das operações do duto do Porto do Rio para descarregamento de petróleo ou combustíveis.
De acordo com a Secretaria do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS), com base nas análises técnicas, concluiu-se que os riscos para a saúde e segurança da população são toleráveis de acordo com os critérios estabelecidos e adotados pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA).
Segundo o INEA, a licença expedida pelo instituto destina-se a avaliar os aspectos relativos aos impactos e riscos ambientais de empreendimento ou atividade. O licenciamento ambiental independe de licenças, autorizações, certidões, certificados, outorgas ou outros atos de consentimento dos demais órgãos em qualquer nível de governo.
Ou seja, as instituições não veem o duto com preocupação, apesar do antecedente explosivo e pela proximidade de atrações turísticas da cidade, como o AquaRio e a Roda Gigante, atraindo muitos visitantes diariamente. Para as autoridades do meio ambiente carioca, se o órgão estadual aprovou, não há o que discutir. Tudo leva a crer que a preocupação ambiental está sendo, de certa forma, negligenciada, até que um novo acidente, cuja probabilidade tende a ser alta devido à falta de fiscalização efetiva, possa vitimar pessoas e afetar seriamente o meio ambiente.
Os elos da corrente que precisam ser fechados
Algumas perguntas precisam ser respondidas com relação aos acidentes ocorridos no descarregamento de combustíveis em portos brasileiros. No caso do porto de Paranaguá, qual seria o destino destes navios de nafta? É importante destacar que a nafta é utilizada para adulterar gasolina. Se aproveitando de uma alíquota de importação bem menor do que a da gasolina, o produto acaba sendo misturado ao etanol e despejado por postos pelo país.
Além dos graves riscos ambientais, a prática contribui também para sonegação tributária. O produto pode, ainda, danificar os motores dos veículos.
Por outro lado, por que a fiscalização faz uma possível vista grossa no Porto do Rio, sendo que lá há empresa que descarrega produto, criando sérios riscos de acidente ambiental envolvendo vítimas?
A polícia deve, sim, investigar a fundo para identificar se existem interesses obscuros e práticas não ortodoxas nesse tipo de atividade envolvendo combustíveis. É preciso combater tais práticas em prol do mercado honesto, da preservação do meio ambiente e do respeito ao consumidor.
Se desconfiar de irregularidades, denuncie!
A Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), em conjunto com o setor de segurança da Transpetro, ressalta ter conseguido, desde 2020, reduzir em 98% os furtos de petróleo e combustível por meio de derivações clandestinas no Estado do Rio de Janeiro, o que evitou um prejuízo estimado à empresa de cerca de R$ 50 milhões.
Para coibir a ação dos criminosos, a Transpetro disponibiliza o número 168, caso a população identifique qualquer movimentação suspeita na faixa de dutos, ou em terrenos próximos.
Caso tenha presenciado algum produto sendo descartado de forma errada na natureza, cheiro forte, ou vazamento de combustíveis, você pode utilizar a ferramenta Denuncie, do Instituto Combustível Legal. Escolhendo a opção “Crimes Ambientais”, é possível conhecer os órgãos competentes em sua região e contactá-los.
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