Precisamos falar sobre preço dos combustíveis muito abaixo do mercado. Cuidado, pois não existe almoço grátis!
Publicado em 21/02/2024 por Emerson KapazVocê já deve ter percebido, ou lido em notícias nos jornais, que o preço dos combustíveis nos postos pode sofrer grande variação dentro de uma mesma cidade. Podemos citar aqui, como exemplo recente, o caso do Rio de Janeiro, onde o litro da gasolina no bairro central do Santo Cristo custava R$ 5,99 e, a apenas quatro quilômetros de distância, no bairro do Rio Comprido, na Zona Norte da capital fluminense, o preço da gasolina comum aparecia a R$ 4,84. Uma diferença de quase 24%. Os dados são do aplicativo Menor Preço relativos à semana de 14 a 20 de janeiro de 2024.
Já parou para pensar por que isso ocorre?
De forma geral, considerando as pequenas margens agregadas, não há possibilidade de as empresas ofertarem grandes diferenciais de preços, mas adianto uma coisa: não existe almoço grátis.
Utilizar postos que praticam valores considerados uma verdadeira pechincha pode cobrar o seu preço. Seja no veículo, que pode ser vítima de combustível adulterado, com procedência duvidosa, ou com fraude de quantidade, afetando também seu bolso e sua segurança; seja diretamente na sua vida como cidadão devido à alta sonegação que reflete no não recolhimento dos tributos, ou pelo fato de contribuir com as organizações organizadas que se utilizam destas fraudes do setor para potencializar seus resultados e que acabam abastecendo outras linhas criminosas, como tráfico de drogas, armas, pedras preciosas, dentre outras.
Então, caro leitor, recomendamos que você desconfie quando o preço do combustível estiver muito abaixo da média, especialmente quando houver a exigência de pagamento em dinheiro.
Levanto aqui alguns pontos que podem esclarecer essa anomalia do mercado, ou melhor, do mercado irregular. Vamos a eles:
Não recolhimento de impostos: o chamado comércio irregular de combustíveis assola o país há anos. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), só com relação à sonegação e inadimplência, R$ 14 bilhões deixam de entrar nos cofres públicos, recurso que deveria ser utilizado em benefício social por meio de investimentos em saúde, educação e segurança. É aí que a sua vida é afetada como cidadão.
A situação da irregularidade se “profissionalizou” de tal forma que algumas importadoras e distribuidoras de combustíveis obtêm medidas liminares para não recolher impostos, garantindo uma boa vantagem em cima das concorrentes.
Adulteração: a venda de etanol sem nota fiscal ou com nota clonada é um velho problema do setor. Não são raros os casos em que a fiscalização apreende gasolina com até 80% de etanol na mistura, quando o percentual autorizado por lei é de 27%.
Metanol: produto extremamente perigoso devido à sua alta toxicidade, e de uso proibido para combustíveis, também tem sido utilizado no cardápio das irregularidades. Por ter uma alíquota do imposto menor que a da gasolina, o metanol vem sendo importado em grandes quantidades e misturado ao nosso etanol, e mesmo à gasolina. Um risco grave para consumidores, mecânicos e frentistas.
Quantidade: Essa é aquela velha fraude que funciona com o marcador do equipamento mostrando uma quantidade de litros acima do que vai para o tanque. Por exemplo, o motorista abastece 20 litros, mas percebe que o rendimento foi menor que o de costume. Na verdade, você pode ter sido lesado em alguns litros a menos de combustível, sendo vítima de um sistema criminoso.
Pirataria: O ataque a embarcações de transporte de combustíveis atinge níveis assustadores. Nos últimos dois anos, foram mais de 4,5 milhões de litros de combustível roubados pelos chamados piratas dos rios na região Norte. Os ataques e a falta de segurança no transporte de cargas nos rios regionais provocam prejuízos anuais de R$ 100 milhões ao setor.
Roubo de Carga: Já no Sudeste, o roubo de caminhões que transportam combustíveis alimenta o mercado ligado ao crime organizado.
Trepanação: Também no Sudeste, quadrilhas arrebentam oleodutos e roubam combustíveis que vão suprir a demanda de postos irregulares. Problema grave pela possibilidade de vazamento, risco de contaminação ambiental e explosão em grandes proporções.
Propaganda enganosa: Esta é uma prática recorrente de empresas mal-intencionadas que comercializam produtos sem indicar procedência ao consumidor ou que clonam embalagens e marcas reconhecidas e colocam produtos de procedência duvidosa. Neste caso, o consumidor pensa estar usando produtos com preço agregado pela sua procedência e controles de qualidade, mas na realidade se trata de produto batizado, misturado ou com formulação inapropriada. Esta prática ilegal pode causar prejuízo ao veículo, por conta de desgastes prematuros, e ao bolso do consumidor, em função de reparos e perda de eficiência.
As brechas ‘legais’ do mercado ilegal
É importante destacar que por trás de uma promoção mirabolante, pode existir algum tipo de fraude, como sonegação e inadimplência, roubo ou adulteração de quantidade ou qualidade de combustível e propaganda enganosa.
Além disso, há ainda as distorções desleais do mercado que são conquistadas por meio de liminares judiciais. Para se ter uma ideia, benesses concedidas para algumas empresas em determinados estados, possibilitam o não recolhimento dos impostos por meio de liminar, garantindo a estes empresários expressiva vantagem concorrencial que poder chegar a até 10% sobre o valor do preço final da gasolina.
É um favorecimento a empresas não ortodoxas que adotam gerenciamentos tributários e não recolhem os respectivos tributos. Essas empresas acabam sendo beneficiadas de forma legal. Por exemplo, no ano passado na região Norte do país, deixou-se de recolher R$ 279 milhões em impostos relativos à gasolina. No diesel, o rombo foi de R$ 200 milhões. Lembre-se que se trata de dinheiro público que poderia ser investido em saúde, segurança e educação.
Diante disso, faço aqui um convite: toda vez que encontrar uma espetacular diferença de preço ao abastecer, se pergunte: por quê? Se a resposta não for convincente, você pode estar diante de mais uma ação do mercado irregular de combustíveis. Novamente, reitero: não existe almoço grátis e o barato pode sair bem caro.
Nesse caso, faça a sua parte, fique atento, desconfie de promoções mirabolantes, peça a nota fiscal e denuncie.
*Emerson Kapaz é presidente do Instituto Combustível Legal (ICL)