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Dívida ativa chega a R$ 2,1 tri e procuradora defende PLS 284 para combate ao devedor contumaz

Publicado em 10/07/2019 por Alessandra de Paula

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apontou em 2018 a existência de uma dívida ativa da União de R$ 2,196 trilhões, sendo que R$ 1,5 trilhão correspondia a créditos classificados como de difícil recuperação, ou irrecuperáveis. Érica Barreto, procuradora da Fazenda Nacional, e atualmente trabalhando na Divisão de Grandes Devedores da Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional – 2ª Região (PRFN2), comenta o que está sendo feito para combater quem não paga os tributos, e como essa prática afeta a sociedade e o mercado.  “A intensificação da fiscalização por parte da Secretaria de Receita Federal e da cobrança da PGFN possibilitou, nos últimos anos, a descoberta e paralisação de diversos esquemas de fraude fiscal estruturados, especificamente, no setor de combustíveis”, destaca a procuradora. Confira a entrevista na íntegra:

Combustível Legal: Existem vários projetos de lei que abordam a necessidade de caracterização do devedor contumaz, como o PLS 284, da ex-senadora Ana Amélia. A senhora acha importante essa iniciativa? Ajuda a combater o inadimplente que se utiliza do não pagamento de tributos como modelo de negócio?

Érica Barreto: O PLS 284/2017 tem como objetivo regulamentar o artigo 146-A da Constituição Federal. Este artigo permite a criação, por lei complementar, de critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios concorrenciais. Sendo um projeto de Lei Complementar, ele traçará parâmetros gerais que um regime especial de tributação, com este fim específico, precisará atender. Caberá à União, estados e municípios, mediante lei ordinária específica, instituir o regime especial de tributação constitucionalmente previsto.

O não pagamento de tributo de forma reiterada é uma, mas não a única, forma de conduta atentatória à liberdade concorrencial. Em setores com carga tributária elevada, ou com produtos cujos preços de mercado são muito similares, aquele empresário que deixa de recolher aos cofres públicos o tributo declarado acaba por retirar da composição do custo do seu produto um importante componente. Isso, obviamente, acarretará em um preço final do produto mais barato que os demais concorrentes do setor, cumpridores do seu dever para com o Estado brasileiro.

Qualquer iniciativa, seja ela da sociedade civil, Poder Legislativo, Executivo, ou Judiciário, na busca de conferir maior efetividade aos instrumentos de fiscalização e arrecadação tributária, é bem-vinda e poderá contribuir para diminuição da injustiça fiscal vivida no Estado fiscal brasileiro. Afinal, se todos pagassem tributos corretamente, cada um de nós suportaria uma menor carga tributária.

Combustível Legal:  Quais os prejuízos que os devedores contumazes causam à sociedade?

Érica Barreto: Devedor contumaz é aquele que declara os tributos por ele devido, mas deixa de efetuar o pagamento dos mesmos. Ele não utiliza, portanto, qualquer subterfúgio para enganar o Fisco em relação à prática do fato gerador. É aquele que admite o que e o quanto deve, mas simplesmente não paga, seja de forma espontânea, ou por meio da execução forçada.

Os prejuízos causados à sociedade são inúmeros. Como respondi anteriormente, o fato de apenas uma parcela da população cumprir com suas obrigações tributárias impacta sobremaneira na distribuição da carga tributária, que acaba recaindo sobre o elo da cadeia em que a fiscalização e cobrança se realizam de forma mais simplificada e efetiva. Isso faz com que o Brasil adote um sistema tributário extremamente regressivo, concentrado basicamente no consumo, o que afeta mais abruptamente justamente àqueles com uma menor capacidade contributiva.

Devedores contumazes têm por hábito não efetuar o recolhimento da contribuição para o FGTS, bem como das contribuições previdenciárias. Tal conduta tem impacto direto na fruição dos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores a ele vinculados, por exemplo.

Combustível Legal: Os devedores contumazes também afetam o mercado, provocando uma concorrência desleal, certo? 

Érica Barreto: Sem dúvida. O combate às condutas adotadas por devedores contumazes deve ser um objetivo compartilhado entre Administração Pública e os players de mercado cujo interesse seja o desenvolvimento da atividade de forma economicamente saudável. Aquele que deixa de adimplir o tributo devido “passa na frente” do empresário que cumpre com suas obrigações para obter regularidade fiscal, não só por eliminar um componente no seu preço final (custo do tributo), como ainda por eliminar toda uma estrutura montada para o atendimento das inúmeras obrigações acessórias que o contribuinte brasileiro ainda deve cumprir. Sabemos que no Brasil o número de horas e mão de obra envolvida para o atendimento destas obrigações geram um custo adicional a ser suportado pelo empresário – contribuinte, custo esse não suportado pelo inadimplente contumaz.

Combustível Legal:    No seu trabalho diário, a senhora encontra muitos problemas de sonegação de impostos? Em quais ramos de empresas? Os valores sonegados são muito altos? O número de contribuintes em situação de inadimplência é muito grande?

Érica Barreto: Há que se distinguir o sonegador do devedor contumaz. Por devedor contumaz entendemos ser aquele que declara, mas não paga e se esquiva da execução forçada. Já o sonegador é aquele que pratica o tipo penal previsto no art. 1º da Lei 8137/1990. Sonegador é aquele que utiliza subterfúgios fraudulentos para suprimir ou reduzir tributo, sendo classificado pela lei como sujeito ativo de um crime.

O sonegador pratica a fraude para ocultar a prática do fato gerador do tributo, já o inadimplente contumaz pratica fraudes com objetivo de esconder o seu patrimônio e, com isso, se furtar de uma execução forçada.

Infelizmente, tanto a prática de crime de sonegação quanto o não pagamento reiterado de tributos são mazelas que atingem todos os ramos da atividade econômica.

O documento “PGFN em números 2018” aponta um estoque de dívida ativa da União de R$ 2,196 trilhões. Deste total, algo em torno de 1,5 trilhão corresponde a créditos classificados como de difícil recuperação, ou irrecuperáveis. Este número fornece um panorama da quantidade de contribuintes que deixa seus débitos em aberto sem qualquer tipo de plano para garantia ou amortização e, pior ainda, praticam fraudes com objetivo de mascarar ou esvaziar o seu patrimônio.

Combustível Legal:    O setor de combustíveis é o que mais arrecada e um dos que mais sofre com a sonegação. Na sua área de atuação, a senhora tem registros de sonegação e inadimplência no setor de combustíveis?  Como combater esse problema?

Érica Barreto: Infelizmente, o setor de combustíveis não está imune à atuação de maus empresários, que utilizam de diversas condutas fraudulentas na tentativa de se esquivar do pagamento do tributo devido. A intensificação da fiscalização por parte da Secretaria de Receita Federal e da cobrança pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) possibilitou, nos últimos anos, a descoberta e paralisação de diversos esquemas de fraude fiscal estruturada, especificamente no setor de combustíveis, cujo objetivo principal era dificultar a atividade da Administração Tributária objetivando o aumento de lucro por meio do não recolhimento de tributos.

Combustível Legal: Que esforços têm sido feitos para diminuir o inadimplemento contumaz?  Na sua opinião, o que mais pode ser feito?

Érica Barreto: Algumas iniciativas recentes adotadas pela PGFN têm como foco a recuperação do crédito cujo sujeito passivo é conceituado como devedor contumaz.

Aquele devedor que não necessita de comprovação de regularidade fiscal para a prática de seus atos negociais, dificilmente, se via “incomodado” pelo fisco federal no desenvolvimento de sua atividade empresarial. Este cenário está se modificando.

Já há alguns anos, a PGFN passou a protestar suas inscrições em Dívida Ativa, em uma tentativa de alertar aos potenciais credores privados acerca dos débitos daquele empresário com o fisco federal. Atualmente, estuda-se a inclusão destes devedores na base de dados do SERASA, bem como a elaboração de um cadastro positivo, que servirá de base para que fosse conferido tratamento diferenciado aos contribuintes de acordo com o histórico de pagamento e inadimplência de cada um.

Dentro da esfera de competência da Administração Tributária muito vem sendo feito na tentativa de desestimular o não pagamento de tributo como modelo de gerenciamento de negócios.

Devo ressaltar, entretanto, que seria de fundamental importância a mudança de postura do Poder Judiciário que, em nome do princípio da manutenção da empresa, muitas vezes chancela o “calote” do contribuinte e estimula a prática do não pagamento. Para ficar em apenas um exemplo, cito a “indústria da recuperação judicial”.

Desde o advento da Lei 11.101/2005, o número de pedidos de recuperação judicial aumentou sobremaneira. O art.57 da Lei condiciona a aprovação do plano de recuperação à apresentação de certidão negativa de débitos federais e o art.6º, §7º determina que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. Muitas decisões judiciais têm feito destes artigos “letra morta”.

Proliferam decisões judiciais dispensando a empresa recuperanda da apresentação de Certidão Negativa de Débitos (CND), inclusive, o que é ainda mais absurdo, para contratação com a Administração Pública.

Encontram-se ainda suspensos todos os atos de constrição patrimonial praticados em execuções fiscais que tenham como sujeito passivo empresa em recuperação judicial por força de julgamento repetitivo sobre a questão junto ao STJ (tema 987).

Este exemplo da aplicação da Lei da Recuperação Judicial pelo Judiciário brasileiro demonstra como um instituto, criado para buscar preservar empresas que estejam enfrentando uma dificuldade pontual, vem sendo utilizado como verdadeiro recurso para que empresas continuem funcionando dispensadas do pagamento de tributos, colocando-as em evidente vantagem frente às suas concorrentes.

Muito ainda há que ser feito para o aprimoramento das práticas de cobrança visando à redução da inadimplência tributária crônica que assola o sistema tributário brasileiro. Devem, entretanto, estar imbuídos desta missão todos os atores sociais e não apenas as autoridades fazendárias.

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