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Advogados alertam que Projeto de Lei sobre recuperação fiscal pode acabar incentivando sonegação no setor de combustíveis

Publicado em 07/08/2020 por Alessandra de Paula

Em entrevista exclusiva ao site do Combustível Legal, os advogados Julio Janolio e Octávio Alves, do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, abordam diversos temas relevantes para o setor de combustíveis, incluindo a atualização da Lei de Recuperação Fiscal e Falência, com possível incentivo aos sonegadores, e o impacto da reforma tributária no mercado. Confira a entrevista completa:

Combustível Legal: Em tempos de pandemia, o senhor acredita que houve aumento da sonegação de tributos e fraudes, por conta de possível diminuição na fiscalização e contingenciamentos?

Julio Janolio e Octávio Alves: Considerando que os órgãos de fiscalização tributária realizam suas atividades, sobretudo por formato digital, por meio de domicílios tributários eletrônicos, análise de informações prestadas em ambientes virtuais etc., assim como que os estados e a União não suspenderam a atividade de fiscalização em razão da pandemia, frise-se, até porque se trata de uma atividade essencial, entendemos que não necessariamente pode ter ocorrido aumento da sonegação e das fraudes por motivos de redução das fiscalizações durante a pandemia.

Com efeito, um ponto de atenção é que normalmente as fiscalizações realizadas pelos órgãos fiscais montam a auditoria sobre operações envolvendo anos anteriores, e não usualmente as operações correntes (tempo real).

Sendo assim, a não ser questões mais graves sobre infrações correntes e facilmente percebidas (não pagamento de tributos declarados e barreiras fiscais, por exemplo) e/ou pontuais sobre eventuais divergências de informações fiscais que podem chamar a atenção dos órgãos de fiscalização de forma mais imediata, é possível que eventuais sonegações e fraudes sobre operações atuais da pandemia sejam percebidas apenas no futuro, quando esses períodos forem formalmente fiscalizados.

Combustível Legal: Havia perspectiva de reforma tributária este ano, mas tudo foi adiado por conta da COVID-19. O senhor acredita que a reforma ainda pode ser aprovada este ano? Quais seriam os possíveis impactos da reforma no setor de combustíveis?

Julio Janolio e Octávio Alves: Apesar da difícil perspectiva da aprovação de uma reforma tributária ainda este ano com o cenário da pandemia, notícias publicadas na mídia dão conta que Governo Federal ajustou os detalhes finais e apresentou sua proposta, dando início ao rito para sua aprovação no Congresso Nacional. Assim como os Presidentes das Casas Legislativas têm dado declarações na mídia sobre a reforma tributária ser prioridade para o segundo semestre de 2020.

As principais reformas tramitando no Congresso Nacional (PECsnºs 110/19 e 45/19) pretendem modificar profundamente a forma de tributação sobre a circulação de mercadorias, mediante a extinção do PIS/COFINS e do ICMS que são os principais tributos sobre os combustíveis, e a consequente instituição de um IVA.

As propostas pretendem instituir regime não-cumulativo amplo para o IVA, o que significa que toda aquisição pela empresa gera direito a crédito, e a venda gera débito do imposto. Especificamente para a PEC nº 110/19, que tramita no Senado, ainda se pretende instituir um imposto federal seletivo sobre combustíveis, de competência da União, e que será monofásico. Porém, ainda não há detalhamento sobre quais as características deste imposto seletivo monofásico, cuja regulamentação ficará a cargo da legislação infraconstitucional.

A legislação atual concentra a tributação dos produtos derivados do petróleo no produtor e no importador, deixando as demais etapas desoneradas. Para o etanol hidratado combustível, as exigências são sobre o produtor e a distribuidora de combustíveis.

Entendemos que a mudança da sistemática da exigência concentrada (atual) para a não-cumulatividade ampla (proposta nas atuais PECs) é a de maior impacto pelas reformas pretendidas – vale a ressalva que para a PEC 110/19 pretende-se instituir um imposto seletivo monofásico para os combustíveis, porém o detalhamento de como será a cobrança ainda dependerá de regulação por lei, deixando muitas dúvidas no ar. A nosso ver, o modelo de não-cumulatividade ampla não é o melhor modelo para os combustíveis, eis que por se tratar de produtos essenciais de demanda praticamente inelástica, e altamente tributados, a exigência dos tributos em todas as etapas da cadeia pode aumentar a inadimplência e causar disparidades concorrenciais entre os que recolhem regularmente o imposto e aqueles que não o fazem da maneira devida.

Combustível Legal: Há um projeto de lei (nº 1.397/2020) que visa a atualizar a Lei de Recuperação e Falência (n.º 11.101/2005). Pode comentar sobre esse projeto e sua real importância/necessidade?

Julio Janolio e Octávio Alves: Esse projeto visa a instituir um regime jurídico transitório para auxiliar as empresas brasileiras durante o período da pandemia. Como sabido, muitas companhias e pequenos negócios estão passando por dificuldades por decorrência dos fortes impactos sobre a vida em sociedade e a economia como um todo, de modo que entendemos ser importante um regime jurídico que auxilie essas empresas a se manterem operando e salvar os empregos.

Por outro lado, há o risco de, pretendendo salvar empresas que legitimamente necessitam desse socorro, também se beneficiar contribuintes que não atuam lealmente perante o mercado.

A nosso ver, a situação concreta mais preocupante no PL 1.397/2020 é o artigo 15 do projeto, que pretende afastar todo e qualquer ato administrativo estatal que invalide inscrições fiscais, independentemente de sua natureza. Pelo contexto a que se insere o projeto, é visível a intenção do legislador de salvar empresas prejudicadas pela pandemia e evitar que o Estado pratique abusos contra seu funcionamento mediante a exigência de tributos.

Ocorre que o dispositivo proposto é demasiadamente amplo e acabará por beneficiar empresas que recorrentemente – em período pré-pandemia – já atuavam com deslealdade perante o mercado, mediante o não pagamento de tributos declaradamente devidos, cuja atuação irregular é combatida pelos estados e pela União mediante a cassação de suas inscrições fiscais. Essa medida legítima de defesa dos estados, validada pelo Supremo Tribunal Federal em diversos julgamentos (STP nº 102, por exemplo), corre o risco de se tornar ineficaz diante daquele artigo 15 do PL 1.397/2020, que a nosso ver deve ser excluído do projeto, ou, então, alternativamente, serem estabelecidos critérios para sua aplicação, de modo a evitar que os sonegadores e devedores contumazes sejam beneficiados.

Se o dispositivo for instituído, corre o risco de os estados, União e o mercado serem ainda mais prejudicados com a permissão de que os contribuintes devedores contumazes voltem a atuar com a possibilidade de inadimplir reiteradamente os tributos e impedir que os contribuintes de boa-fé possam retomar suas atividades.

Combustível Legal: O setor de combustíveis amarga uma sonegação brutal – estudo da FGV aponta que a sonegação de ICMS no setor atingiu R$ 7,2 bilhões em 2019. Essa lei poderia, de alguma forma, incentivar os sonegadores e oportunistas de plantão?

Julio Janolio e Octávio Alves: Sim. O referido artigo 15 do PL 1.397/2020 permitirá que contribuintes sonegadores e devedores contumazes retomem suas atividades com um arcabouço jurídico que lhes permite atuar com a inadimplência reiterada de tributos.

Por isso, entendemos importante que o referido artigo 15 seja excluído da proposta, ou estabelecidos critérios mais detalhados sobre a amplitude de sua aplicação, evitando assim beneficiar contribuintes que atuam de forma desleal no mercado de combustíveis.

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