Tributaristas alertam sobre insegurança jurídica em sanção de benefício sobre refino na Zona Franca de Manaus
Publicado em 23/01/2025 por Alessandra de Paula
A desoneração do refino na Zona Franca de Manaus, benefício fiscal incluído no projeto de regulamentação da reforma tributária, sancionada pelo presidente Lula no dia 16 de janeiro, tem causado grande preocupação no mercado, tendo em vista os vários problemas que o setor já apresenta, como sonegação de tributos, fraudes e concorrência desleal.
De acordo com os advogados Julio Janolio e Octávio Alves, do Vinhas e Redenschi Advogados, a Lei nº 14.183/2021 alterou a lei da Zona Franca de Manaus para excluir, expressamente, os combustíveis dos benefícios da região, mas o assunto voltou a ser tema de discussão com o advento da reforma tributária.
“Contra a restrição dos benefícios da Zona Franca de Manaus para os combustíveis, contida no artigo 8º da Lei nº 14.183/2021, foi ajuizada a ADI nº 7.239, sob a arguição de que a Constituição não permitiria exceções legais aos benefícios da Zona Franca de Manaus. Porém, a ADI foi julgada improcedente pelo STF em março de 2024, validando a constitucionalidade da vedação dos benefícios para combustíveis na região. A reforma tributária, porém, incluiu o benefício na lei. O dispositivo não foi alterado na última votação da Câmara, sendo aprovado pelo Congresso. Submetido à análise presidencial, o artigo 411, alínea ‘e’, do PLP, foi sancionado, ou seja, não houve veto.”, explicam os advogados.
Apenas uma empresa será beneficiada
Segundo Janolio e Alves, a questão é bastante polêmica porque o benefício fiscal se aplica a uma única empresa (refinaria) situada na Zona Franca de Manaus, provocando uma vantagem competitiva prejudicial no mercado de combustíveis.
Conforme o PLP aprovado, a única refinaria da região não será tributada nas vendas de produtos decorrentes do refino na Zona Franca de Manaus, de modo que sua vantagem competitiva será representada pela somatória dos tributos incidentes sobre os combustíveis para os que não refinam na região, tais como, por exemplo, importadores de combustíveis, que deverão pagar os tributos dos quais a referida refinaria está isenta.
Com base no texto da reforma, os combustíveis vendidos de outras regiões à Zona Franca de Manaus serão tributados. Da mesma forma, combustíveis importados por empresas sediadas na Zona Franca de Manaus igualmente serão tributados. Porém, somente uma refinaria situada na Zona Franca de Manaus (ZFM) não será tributada quando o produto do refino for vendido naquela região.
“Logo, considerando que todos os demais refinadores e importadores serão tributados em suas vendas à Zona Franca de Manaus – exceto a refinaria local -, a vantagem competitiva evidencia violações aos mais comezinhos princípios de direito, tais como igualdade, não discriminação, bem como neutralidade – aliás, este último princípio é norteador da própria reforma”, ressaltam.
Segundo os advogados, antes mesmo da sanção do Presidente da República a este benefício fiscal, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (COMSEFAZ) se manifestou publicamente, informando que o incentivo ao refino na Zona Franca implicará rombo anual de R$ 3,5 bilhões. Além disso, a concessão do benefício traz grave desequilíbrio concorrencial ao setor, não só na Zona Franca, mas também em outras regiões do Brasil.
Combustíveis são excluídos dos benefícios fiscais na Zona Franca de Manaus desde 1967
A empresa que controla a refinaria local alega que o benefício fiscal existiu na época da Petrobras, no entanto, de acordo com Janolio e Alves, a informação não procede.
“Independentemente das discussões envolvendo o artigo 8º da Lei nº 14.183/2021, que reforçou a vedação dos combustíveis aos benefícios da Zona Franca de Manaus, o artigo 37 do Decreto-lei nº 288/1967, a lei que trata dos benefícios e limitações da Zona Franca já exclui os combustíveis dos benefícios da Zona Franca desde 1967. O afastamento daquela histórica vedação dependeria de uma decisão judicial, a qual, salvo melhor juízo, a Petrobras não possui”, concluem.
Exclusão do benefício na reforma tributária traz insegurança jurídica, e não o contrário
O argumento dos advogados Julio Janolio e Octávio Alves é que a concessão do benefício à refinaria localizada na Zona Franca de Manaus traz mais insegurança jurídica, na medida em que viola princípios constitucionais e recoloca o tema sob o crivo do Poder Judiciário.
“Relembre-se que o STF validou a constitucionalidade do artigo 8º, da Lei nº 14.183/2021, ao julgar a ADI nº 7.239. A reforma tributária, por sua vez, instituiu um benefício que atende a uma única empresa do segmento de combustíveis, inclusive em detrimento dos importadores. Há a notícia de que a AGU contesta o dispositivo beneficiador de uma única refinaria, perante o Supremo Tribunal Federal. Assim, o debate sobre a constitucionalidade dessa espécie de benefício permanece em aberto, ante a possibilidade de sua contestação, sob relevantes fundamentos, tais como igualdade, não discriminação e neutralidade, sendo este último um norteador de toda a reforma tributária.”
Os advogados lembram que durante a divulgação da promulgação da reforma, Bernard Appy, responsável pelo projeto básico da reforma tributária, destacou que a AGU deverá contestar a constitucionalidade do benefício no Supremo Tribunal Federal. Segundo eles, “a garantia de uma tributação idêntica, em todo o território nacional, para combustíveis é primordial para evitar distorção, a qual poderia ter sido evitada com o veto do dispositivo que prevê o referido benefício, pois manteria inalterada a situação jurídica anterior, convalidada pela decisão do STF, nos autos da ADI nº 7.239”.
Portanto, os advogados destacam que a sanção do dispositivo pela Presidência da República trouxe insegurança jurídica e, nem bem entrou em vigor, a Lei Complementar 214/2025 já poderá ser objeto de contestação judicial.
Agora, lembram os especialistas, caberá ao STF decidir, novamente, se a concessão do benefício viola a Constituição Federal.
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